Luto vem do latim, luctus: dor, lástima, mágoa, em geral pela morte de alguém, embora não seja uma doença, o luto traz a perda transitória do equilíbrio anímico e, muitas vezes, do bem-estar vital.
Mas quanto tempo pode durar um luto “normal”? Obviamente isso dependerá de fatores como a intensidade e o tipo de vínculo que a pessoa enlutada tinha com o falecido, do seu temperamento, do seu momento de vida, se houve tempo para fechamentos e despedida, a presença de culpa e o nível de sofrimento transcorrido na fase final de vida.
O luto corresponde a um fim, um limite sobre algo que transcorreu no tempo, o trauma da perda é uma dor sentida na alma de pessoas próximas àqueles que partem.
Há dois elementos que podem nos ajudar a lidar com o luto, o primeiro é a compreensão de que o verbo perder não é adequado nessa situação – há uma despedida, um afastamento daquele que morreu, mas não uma perda – com algo definitivo, imutável. Se eu perco algo, tenho a impressão de que nunca mais o terei ou o verei novamente. Mas isso não se aplica à morte de alguém próximo, pois, um dia, todos estaremos juntos de novo, embora não neste plano em que hoje vivemos.
Rudolf Steiner, o precursor da antroposofia, trouxe valiosas contribuições neste âmbito, Ele escreveu:
“Aquele que passou pelo portal da morte apenas adquiriu uma outra forma de viver relacionando-se com os nossos sentimentos do mesmo modo como alguém que viajou para um país distante onde nós podemos seguir somente mais tarde. Portanto não temos nada a temer, é apenas um tempo de separação.” ¹
É importante se conscientizar de que aquele que morreu continua a existir, agora em outro plano, no mundo espiritual. Então, a rigor, não há uma perda, mas uma separação transitória. Além disso, o afeto por essa pessoa precisa continuar a ser destinado a ela na forma de bons pensamentos, orações e até expressão verbal, como se estivéssemos “conversando”.
Steiner fez uma interessante comparação: imaginemos nosso mundo sem arte, imaginemos como tudo seria triste e sem vida se não tivéssemos música, poesia, pinturas, esculturas, danças e todas as formas de arte. Pois esse é o mundo daqueles que partiram sem as nossas orações e bons pensamentos:
“Quando alguém que amamos se afastou de nós, continuamos, como todos sabemos, a nutrir nossos pensamentos sobre essa pessoa dentro de nossas almas, pensamos nas experiências que tivemos em comum, nos sentimentos que compartilhamos com ela e assim por diante. A pessoa que morreu, como eu disse, contempla pensamentos. […] E é exatamente isso que eleva, alegra e aquece os mortos, nos pensamentos dos vivos a quem eles amaram. Pois é uma esfera de atividade muito especial para os mortos – ser capaz de olhar para os pensamentos daqueles que eles deixaram para trás e que os amavam. Este é um mundo especial para eles. Pode ser comparado com a arte no mundo físico, mas a comparação é fraca – porque significa para os mortos, como eu disse, um elemento edificante e embelezador, ainda em um sentido muito superior ao da influência embelezadora da arte para nós, aqui, no mundo físico.” ²
Em outro momento, Steiner afirmou: “Se ao menos pudéssemos trazer ao coração das pessoas hoje o fato de que a vida é empobrecida se os mortos são esquecidos!” ³
Não apenas pensar sobre a morte de modo diferente, mas senti-la de modo diferente – esta é uma necessidade para nosso tempo atual! Devemos criar a consciência de que a pessoa que morreu permanece conectada aos seus entes amados e essa conexão deve ser saudavelmente lembrada com frequência.
O segundo aspecto a ser considerado diz respeito ao momento da morte e como ele é vivenciado pela pessoa que morre. Isso foi assim esclarecido, novamente por Steiner:
“Aqui, na Terra, a morte tem um aspecto aterrorizante apenas porque a vemos como uma espécie de dissolução, como um fim. Mas quando olhamos para o momento da morte do outro lado, do lado espiritual, a morte continuamente aparece para nós como uma vitória do espírito, como o espírito que está se libertando do físico. Aparece então como o maior, mais belo e significativo evento. Além disso, essa experiência acende aquilo que constitui nossa consciência do eu após a morte. Ao longo do tempo entre a morte e um novo nascimento, temos uma consciência do eu que não apenas se assemelha, mas excede em muito o que temos aqui durante nossa vida física. Não teríamos essa consciência do eu se não pudéssemos olhar para trás incessantemente – do outro lado, o lado espiritual – para aquele momento em que nossa parte espiritual se libertou do físico. Sabemos que somos um eu apenas porque sabemos que morremos, que nosso espiritual se libertou de nossa parte física.
Quando não podemos contemplar o momento da morte, além do portal da morte, então nossa consciência do eu após a morte é igual à consciência física do eu aqui na Terra quando estamos dormindo. Assim como nada sabemos sobre nossa consciência física do eu quando estamos dormimos, também nada sabemos sobre nós mesmos após a morte, se não temos constantemente diante de nós o momento da morte. Ela está diante de nós como um dos momentos mais belos e mais elevados.”⁴
Portanto, não devemos pensar na morte como algo doloroso para quem parte, a pessoa que morre experimenta na morte o que há de mais belo e elevado no mundo espiritual. Segundo o que expôs Steiner, é a vitória do espírito sobre a matéria, o resplandecer da luz espiritual na alma que surge da escuridão do mundo material. Tudo aquilo que foi sofrimento, dor e pesar dissipa-se nessa travessia do mundo físico para o mundo espiritual. Dessa forma, para quem ficou, deveria perder o sentido expressões de culpa e autocensura, como “não fui bom o bastante para evitar o sofrimento”. O sofrimento se dissipou e aquele que morreu adquiriu outra consciência, outra condição de existência, em que o sofrimento passado deixou de ter o significado negativo que atribuímos a ele. Assim, nossa tarefa em relação aos que partiram não é chorar por eles com o pesar da culpa ou da sensação de que se devia ter feito mais. A saudade que naturalmente se sente, e que muitas vezes provoca um choro justificado, pode ser convertida numa atitude de enviar àquele que morreu, na forma de orações e bons pensamentos, o amor que se sente:
Para ti flua o amor da minha alma,
A ti dirija-se o sentido do meu amor.
Ele haverá de sustentar-te;
Ele haverá de manter-te
Nas alturas da esperança,
Nas esferas do amor.
(atribuído a Rudolf Steiner)
Referências:
1. Steiner R. Staying connected. Herndon: SteinerBooks; 1999.
2. Steiner R. Relationships between the living and the dead. GA 168; 1916 [monografia na Internet]. Fremont: Rudolf Steiner Archive & e.Lib; [s.d] [citado 2019 Out 05]. Disponível em: https://wn.rsarchive.org/GA/GA0168/19160216p01.html
3. Steiner R. Earthly death and cosmic life. Lecture 4. The cosmic thoughts and our dead. 1918 [monografia na Internet]. Fremont: Rudolf Steiner Archive & e.Lib; 2008 [citado 2019 Out 05]. Disponível em: https://tinyurl.com/ycy6gghs
4. Steiner R. The moment of death and the period thereafter. GA 168; Leipzig, 22/02/1916 [monografia na Internet]. Fremont: Rudolf Steiner Archive & e.Lib; [s.d.] [citado 2019 Out 10]. Disponível em: https://wn.rsarchive.org/GA/GA0168/19160222p02.html
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